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Sobre os perigos da História Única

Após assistir ao vídeo “Os perigos da história única”[1] da escritora nigeriana Chimamanda Adichie, como proposta da formação em Terapia Familiar Sistêmica[2], que realizo no Instituto Humanitas[3], as supervisoras, abordando as Práticas Narrativas, nos provocaram a refletir sobre a restrição de possibilidades que surgem a partir das histórias dominantes, com as suas descrições empobrecidas, nos mobilizando a identificar os privilegiados pelas versões saturadas das histórias, os silenciamentos provocados, além de convidarem a inclusão de novas narrativas.

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Considero que descrições empobrecidas generalizam visões estereotipadas, enfraquecem e aprisionam as pessoas em depreciativas “profecias” baseadas em inadequações, fraquezas, deficiências, disfunções.... A partir das descrições empobrecidas, restringe-se possibilidades existenciais, que impactarão diretamente no contexto cotidiano das pessoas: nas relações sociais, nas possibilidades, nas escolhas, nas condições materiais. Como diz Chimamanda, “as histórias únicas superficializam a experiencia e negligenciam outras as histórias”.

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Compreendo que as histórias únicas pouco-a-pouco clivam relações de alteridade radical nas quais pessoas se reconhecem identitariamente a partir da oposição e da negação do outro, em relações hierárquicas de poder. Essas relações podem culminar em atos de violência que impactam na vida cotidiana em diferentes graus, que vão desde o apagamento- violência simbólica mais difícil de ser percebida, ao silenciamento e à possibilidade de aniquilamento, como acontece com o genocídio do povo preto e pobre, levado à cabo pelos sucessivos erros cometidos pelo braço armado do estado, por exemplo, quando justifica a letalidade das operações policiais nas favelas como algo natural, como efeito colateral da guerra contra o tráfico, e esta justificativa é aceita socialmente, como parte de uma história dominante no contexto nacional.


As descrições empobrecidas da história são consolidadas nas relações de poder quando a parte que conta a história é considerada porta voz legítima, sujeito de fala reconhecido, que produz e reproduz histórias e enredos dominantes que produzirá efeitos nas vidas dos demais.

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Estando pautada em relações de poder, legitimidade e reconhecimento, considero que os beneficiados são os que criam a história dominante que lhes serve como justificativa para a forma como se relacionam com determinada questão. Nesta relação de alteridade radical, se contrapõe os “vencedores”, que têm o poder de contar a história socialmente aceita, e os “silenciados”, que não tiveram as suas histórias reconhecidas, legitimadas, ouvidas. Estes são todos, todas e todes que sentem-se oprimidos, ou que não se reconhecem nas histórias dominantes e os importantes movimentos que pautam diferentes “lugares de fala”, de reconhecimento das perspectivas que foram historicamente oprimidas, para que possam falar por si próprias, contar as suas histórias, fazendo conhecer os atos de resistência, solidariedade, enfatizando os conhecimentos, as estratégias, a sabedoria que lhes possibilitaram coletivamente resistir.

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Por outro lado, sendo estes processos dialéticos e dialógicos, não há, no fim das contas, benefícios amplos e coletivos quando uma história dominante engole e subjuga histórias alternativas, pois os criadores das histórias dominantes permanecem tendo uma visão empobrecida dos demais, o que também lhes empobrece e empobrece o conjunto da sociedade.


Por fim, e como um bom recomeço, o que pode acontecer quando incluímos novas narrativas, quais possibilidades são convidadas a existir?


Pode surgir uma maior abertura para conhecer as diferentes histórias que acontecem ao mesmo tempo que a história dominante, bem como as diferentes histórias que podem ser contadas sobre os mesmos eventos. A abertura a este convite, possibilita maior flexibilidade, visão de diferentes perspectivas, maior senso de agência, autonomia nas interpretações, ressignificação das histórias e por que não dizer, uma perspectiva mais democrática, compartilhada, respeitosa.


Conhecer e reconhecer as diferentes histórias sobre os mesmos eventos pode ampliar a nossa visão das possibilidades, pois os significados são atribuídos às nossas experiências enquanto vivemos as nossas vidas. Conhecer e reconhecer as diferentes histórias inevitavelmente nos leva à terrenos novos, à novas formas de nos relacionarmos com o nosso passado, presente e futuro.


Isabel Torres, Psicóloga, integrante do Redefinir, Psicologia e cuidado em rede.

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Notas:

[1] (29) Chimamanda Adichie: o perigo de uma única história TED Legendado PT-BR - YouTube [2] Este texto foi originalmente escrito em 22/07/2022, como parte de trabalho de formação e Terapia Familiar Sistêmica no Instituto Humanitas de Intervenção em Sistemas Humanos; [3] Link do site Instituto Humanitas: Instituto Humanitas - Nina Guimarães - Terapia Familiar Sistêmica



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1 comentário


Eliane Azevedo
Eliane Azevedo
27 de jul. de 2023

Escrevi um comentário, mas não acertei publicar...

Então retomo com o sentimento verdadeiro que vc desperta em quem tem a oportunidade de compartilhar caminhos contigo.

Muito bom ver vc florescer ainda mais naquilo que se propõe a fazer, e tenho certeza de que muitas outras histórias invisibiklizadas poderão ser ressignificadas pelo trabalho de pessoas como vc.

Muito bom este escrito que reflete sobretudo o seu olhar e sensibilidade apurados como ser humano incrível e diferenciado.

Abraços grandes, Bel!

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